De Colónias a Províncias Ultramarinas

A revisão constitucional de 1951 foi antecipada e muito discutida, uma vez que a anterior revisão, em 1945, deixara pendente a questão colonial. A sua antecipação destinou-se fundamentalmente a alterar a política colonial portuguesa e a suprimir o Acto Colonial. Neste contexto, o Estado Novo, viu-se obrigado a rever a sua política colonial e a procurar soluções para o futuro do nosso Império.  


O Estado Colonial


TÍTULO I
DAS GARANTIAS GERAIS
Artigo 2º - É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam, exercendo também a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente.
Artigo 3º - Os domínios ultramarinos de Portugal denominam-se colónias e constituem o Império Colonial. […]
TÍTULO II
DOS INDÍGENAS
Artigo 22º - Nas colónias atender-se-á ao estado de evolução dos povos nativos, havendo estatutos especiais dos indígenas, que estabeleçam para estes, sob influência do direito público e privado português, regimes jurídicos de contemporização com os seus usos e costumes individuais, domésticos e sociais, que não sejam incompatíveis com a moral e com os ditames de humanidades. […]
TÍTULO IV
DAS GARANTIAS ECONÓMICAS E FINANCEIRAS
Artigo 35º - Os regimes económicos das colónias são estabelecidos em harmonia com as necessidades do seu desenvolvimento, com justa reciprocidade entre elas e os países vizinhos e com os direitos e legítimas conveniências da metrópole e do Império Colonial Português.
Acto Colonial, 1930


 
Como podemos verificar, o Acto Colonial desenvolvia três princípios fundamentais:


1.    Não só possuir e colonizar as populações indígenas mas também civilizar as populações indígenas;

2.  O Império Colonial faz parte da Nação e estava unificado mediante a dependência política de oito colónias;

3.    O Império Colonial não se integrava em nenhum dos modelos coloniais ditos “clássicos”.


O Acto Colonial de 1930, imprimiu uma marca indestrutível à política colonial do Estado Novo. Nele estava declarada a missão histórica e civilizadora dos Portugueses nos territórios coloniais, considerados como possessões imperiais intransferíveis. 


«A primeira chamada de atenção quanto à necessidade de alterar o Acto Colonial foi feita por José Ferreira Bossa em tese que apresentara no II Congresso da União Nacional, em 1944. Apontou, então, para as incidências da nova ordem internacional na “construção jurídica do Império, surgida em 1926” e que oferecia o perigo de confundir Portugal “com os imperialismos em voga que conduziram o Mundo ao presente conflito”. (…) Sugeria, pois, a substituição, no Acto colonial, da terminologia “Império Colonial” por “Províncias Ultramarinas”». 

Esteve em causa então, se substituiriam o título «Do Império Colonial Português» para “Do Império Ultramarino Português», no entanto a Câmara Corporativa considerava que o termo «império» significava a subjugação de um povo, o domínio de um povo sobre os outros e pronunciou-se: ou se mantinha o Império Colonial Português ou se renunciava a terminologia imperial e se passava a chamar apenas «Províncias Ultramarinas». Assim passariam, com estas palavras, passariam a ser consideradas apenas designações geográficas. A votação foi concluída no dia 28 de Abril e o projecto do texto definitivo da Constituição foi aprovado a 1 de Maio de 1951. Portugal deixou, legalmente, de ter colónias. Estas seriam dali para a frente, designadas por Províncias Ultramarinas, que ganharam equivalência jurídica a qualquer província do continente, alegando que o país se estendia, sem qualquer quebra de unidade que não fosse geográfica, «do Minho a Timor». O «Império Português» desaparecera, substituído pelo «Ultramar Português».

1 - Cartaz de propaganda ao Império Colonial Português



      No entanto, no que diz respeito às populações nativas, levadas em conta como inferiores, estas permaneciam separadas. Apesar do Estado ter tomado medidas para as defender de uma exploração esclavagista, a verdade é que o número de «assimilados» sempre for diminuto. Este termo surgiu em 1954 quando o Governo aprovou o «Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique», consagrando a divisão das populações em três categorias de nativos: os brancos, os assimilados e os indígenas.

    Indígenas eram portugueses, mas sem fazerem parte da Nação uma vez que lhes faltavam requisitos da assimilação da cultura. Dentro deste grupo estavam todos os indivíduos de raça negra ou dela descendentes que não satisfizessem, conjuntamente, às seguintes condições: 
  •  Ter mais de 18 anos;
  •  Falar, ler e escrever a língua portuguesa;
  • Possuir bens de que se mantenham ou exercer profissão, arte ou ofício de que aufiram o rendimento necessário para o sustento próprio (alimentação, vestuário e habitação) e, ser casados, para as suas famílias;
  •  Ter um bom comportamento e não praticar os usos e costumes do comum da sua raça;
  •  Cumprir os deveres militares que, nos termos das leis, sobre recrutamento, lhes tenham cabido.

   Livres destas condições limitativas, passando automaticamente a cidadãos portugueses, estavam os indivíduos que, embora de raça negra ou dela descendentes, estivessem casados, fossem viúvos ou filhos de «cidadãos originários» (brancos nascidos em Portugal). Estes eram os «assimilados» sendo que tinham ideias, sentimentos e comportamentos europeus como consequência do seu convívio com os mesmos, ainda que não soubessem falar, ler ou escrever em português.
   Uma vez que mais de 90% dos guineenses nessa altura eram analfabetos, não eram considerados cidadãos portugueses.

    A mesma carta dos «Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique» afirma, ainda, que os indígenas não tinham os mesmos direitos políticos que o português, no entanto, era-lhes aplicado o mesmo direito privado, civil e criminal dos portugueses.

   Em 1957, a ONU voltou a questionar o problema dos territórios não autónomos e censurou Portugal por adulterar o espírito e a letra do Art.º 73 da Carta, reafirmando que mantínhamos colónias. No entanto, não era a nossa soberania legítima sobre esses territórios que estava a ser questionada, nem a integridade ou a unidade da Nação Portuguesa. Era sim criticado, o facto da lei portuguesa admitir o indigenato, regulamentado por lei, provando que existia população privada do direito de cidadania.

    Portugal recusou-se de imediato a admitir que as disposições da Carta relativamente à administração de «territórios não autónomos» lhes fossem aplicadas, argumentando, uma vez mais, que as províncias ultramarinas faziam parte do território português.

2 - Rapaz mestiço com a farda da Mocidade Portuguesa
  

Condenação da ONU e o isolamento internacional


A ASSEMBLEIA-GERAL
1. Reafirma o direito dos povos africanos sob administração portuguesa à liberdade e à independência e reconhece a legitimidade da sua luta; […]
3. Apela a todos os Estados […] que prestem ao povo dos territórios sob administração portuguesa o apoio moral e material necessário à restauração dos seus direitos inalienáveis; […]
4. Condena a política colonial portuguesa e a sua recusa persistente em acatar resoluções da Assembleia-Geral e do Conselho de Segurança; […]
7. Insta os estados-membros para tomarem as seguintes medidas, separada ou colectivamente:
            a) Cortarem ligações diplomáticas e consulares com o Governo de Portugal ou absterem-se de as implementarem, […]
9. Apela a todas as agências especializadas, em particular ao Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento e ao Fundo Monetário Internacional que se abstenham de conceder a Portugal qualquer assistência financeira, económica ou técnica, enquanto o Governo de Portugal não implementar a Resolução 151 da Assembleia-Geral […]
Resolução 2107, aprovada na reunião plenária da Assembleia-Geral,
21 de Dezembro de 1965

1 comentário:

  1. Independência SIM...mas com Todos (Brancos, Pretos, Mulatos e Outros !

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